segunda-feira, 4 de agosto de 2008

A universidade do futuro dará lugar às razões sociais e humanas


Jorge Antunes e Maria Lúcia Pinto Leal
Professores da Universidade de Brasília (UnB)

O debate sobre a universidade do futuro passa, certamente, por uma análise do paradigma mercantilista que se hegemoniza sob a égide da globalização neoliberal em franca ofensiva no Brasil pós-1995. Foi na última década do século passado que se disseminou o fordismo na educação brasileira. O mesmo debate há de passar, também, pela lógica não mercadológica que confere centralidade à democracia participativa, para a construção de uma universidade voltada aos interesses humanos e sociais, fundados em modelos públicos de educação.
A Universidade de Brasília tenta resistir, desde que foi criada, à lógica mercantil e autoritária por meio de lutas históricas mobilizadas por estudantes, professores e funcionários. Porém, nem sempre foi possível combater a ofensiva dos critérios de utilitarismo e mercantilizacão da universidade lucrativa que os neoliberais propõem como modelo de política para a educação.
Atualmente, eis que a UnB se levanta contra as armadilhas neoliberais e enfrenta o entulho do autoritarismo engendrado em sua administração. Vem sendo fortalecida a luta contra os algozes, em função da estagnação política, institucional e administrativa consolidada em patamares inimagináveis que legitimava uma série de práticas incoerentes com a finalidade essencial da universidade pública, gratuita e de qualidade.
As denúncias de corrupção que surgiram na universidade abriram profundo debate sobre a estrutura da instituição e, também, sobre a necessidade de mudanças emergenciais. São questionadas as fundações privadas. Os princípios acadêmicos são colocados em questão, assim como o funcionamento, a transparência e a democratização da universidade.
Esse processo de ruptura se deveu à mobilização estudantil e à ocupação do prédio da reitoria, que demonstraram um processo maduro de reflexão sobre a universidade. A voz dos estudantes foi capaz de envolver a sociedade e a opinião pública, na luta por mudanças estruturais.
Os estudantes pautam a reflexão contra a prática anti-humana e anti-social da universidade. A importante ruptura é dada pelo movimento estudantil, que exige uma universidade do futuro aliada a um projeto emancipatório de educação e de sociedade.
A luta pela democracia interna e pela autonomia nas universidades latino-americanas já tem longa história. Há exatos 90 anos eclodia em Córdoba, Argentina, uma revolta estudantil que repercutiu por todo o continente e por todo o mundo. O Manifesto de Córdoba, de 1918, era dirigido não só às autoridades argentinas: os líderes estudantis que o assinavam se dirigiam a toda a comunidade latino-americana. Os estudantes denunciavam o anacronismo do regime universitário. Acusavam os docentes de terem a pretensão de estar ungidos de uma espécie de direito divino.
As influências de Córdoba demoraram 44 anos para chegar ao Brasil. Em 1962 o movimento estudantil brasileiro se mobilizou na histórica Greve do Um Terço. A paridade nos pesos dos três segmentos — professores, funcionários e estudantes — para escolha de dirigentes, era a principal reivindicação. Observe-se que a recente conquista na UnB, portanto, é fruto de uma luta iniciada há 36 anos.
Em 1918 os estudantes da Universidade de Córdoba defendiam a criação de um modelo de universidade para a América Latina. Rechaçava-se a idéia de se inspirar em modelos estrangeiros de universidade. Infelizmente esse sonho vem sendo deixado de lado e, a todo momento, vemos acadêmicos preconizando este ou aquele modelo europeu ou norte-americano como sendo o ideal para o Brasil.
Este nosso povo criativo, cordial, miscigenado, especial, merece um modelo de universidade também especial. Um modelo brasileiro de universidade, democrático, libertário, autogestionário e autônomo, há de ser ainda implementado, de modo a servir de modelo para toda a América Latina. Não basta que a nova universidade seja o celeiro permanente da experimentação e da busca de novos saberes. Ela será também um centro de contestação permanente de si mesma e da sociedade global. Em seu interior deve ser combatida a competitividade capitalista, dando lugar ao sentimento de aventura, ao fascínio pelo descobrimento, à sede de saber pelo próprio saber e ao prazer da criação.


LEIA O MANIFESTO DA REFORMA UNIVERSITÁRIA DE CORDOBA 1918:
Da Juventude Argentina de Córdoba aos homens livres da América

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