quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

"Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos?"

Eduardo Galeano
Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelasditaduras latinoamericanas que Israel assessorou.
Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeiaódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, quesegundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará pormultiplicá-los.
Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Nãopodem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras,sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a elegerseus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados.Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída,desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecidohavia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou naseleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaramsua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditadurasmilitares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.
São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes doHamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobreas terras que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. Eo desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas quenegam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia,enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitosanos, o direito à existência da Palestina.
Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a domapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo afronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.
Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitlerinvadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bushinvadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cadauma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço daPalestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelostítulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos deperseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram ospalestinos à espreita.
Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluçõesdas Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunaisinternacionais, que burla as leis internacionais, e é também o únicopaís que legalizou a tortura de prisioneiros.
Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem aimpunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governoespanhol não conseguiu bombardear impunemente ao País Basco paraacabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda paraliquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólicede eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda chuvaque tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?
O exército israelense, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quemmata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis sãochamadas de "danos colaterais", segundo o dicionário de outras guerrasimperiais. Em Gaza, de cada dez "danos colaterais", três são crianças.E somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia doesquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando comêxito nesta operação de limpeza étnica.
E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cempalestinos mortos, um israelense. Gente perigosa, adverte outrobombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nosconvidam a crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidaspalestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que sãohumanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potêncianuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.
A chamada "comunidade internacional" , existe? É algo mais que um clubede mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nomeartístico que os Estados Unidos adotam quando fazem teatro?
Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vezmais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declaraçõesocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendemtributo à sagrada impunidade.
Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Comosempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos. A velhaEuropa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma queoutra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre.Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas há meioséculo essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinas, quetambém são semitas e que nunca foram, nem são, antisemitas. Eles estãopagando, com sangue constante e sonoro, uma conta alheia.

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